quarta-feira, 9 de maio de 2012

Colo de Mãe

Por mais estranho que pareçam os dias
E mais inesperadas as surpresas da vida
Insisto em confundir valores em minha cabeça.
E eu, péssimo de cálculo que sou
Confesso,
Devolvo errado o troco.
E assim, dia após dia
Ao deitar na cama, 
Procuro em minha carteira
Aqueles reais que a gente tanto fantasia.
Por que a vida é isso mesmo;
Desperdíco.
Por que um dia
A gente simplesmente olha pra trás
E percebe que foi se perdendo por diversos caminhos
E o que sobrou à velhice;
Meros fragmentos do que fomos ao nascer.
Viver é um risco, 
Um tiro à queima roupa,
Um beijo que não fora dado, ou fora.


Fora de nós existe uma imagem
E imagens podem distorcer,
Como fotos desbotam,
Se rasgam, se queimam
Ou se lançam ao mar
Ao colo de Yemanjá
A soluçar confusas sensações.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

De composição

Caem-lhe braços e pernas.
Estômago, vísceras, ásperas vírgulas,
Caem-lhe pulmões,
Derramam-se veias.
Caem-lhe sonhos antigos,
Desejos medíocres e vida.
Nos poemas e nos versos singulares
Do artista em decomposição.

A vida cai, se esvai, pela porta dos fundos, silenciosa...

sábado, 7 de abril de 2012

Sustenido


Eu sou dos que preferem barulho,
Ver gente mexendo quadris
Antecipando sorrisos...
Eu gosto de gentes.

Eu sou dos que imagina soluções
Embora tardio soluço
Solucione nada.

Eu sou de terra
Pé no chão, alguma prece.
Cultuo meus sonhos cantando cantigas
Que eu mesmo crio, depois me esqueço.
Por que esqueço.

Me esquecem razões, vontades, valores.
Me esquecem tempo,
Não me importo esquecer.
Eis que ser. Querer.
Eis que sou assim.
Um tanto vago, um quê ressentido,
Mas, vivo num mundo de guerra
E por isso, a todos,
Estou bem.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Olhos De Um Azul Celeste


Esses olhos de sono.

Olhos vermelhos de sono.
São também olhos de carinho e carência.
Olhos castanhos e doces
Como amêndoas, amendoam a face.
Cintilam méritos passados.

São olhos de amor
De uma mulher tão doce quanto seus olhos.
Cuja bondade transborda
E a ti, pouco resta além de uma gota
A que inda preserva
A quem precise beber.

São olhos de mãe.
Miopes olhos,
Miram.
Olhos de um céu bonito.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Filme de Tim Burton

Faz muito tempo
Alguns séculos atrás.
Um cheiro suave nos meus dias.
Um pressentimento, um motivo a mais.
Quando as coisas são bonitas
Por algum motivo
Nos faz bem.

Tenho carregado um gosto amargo
Não por virtude dos inúmeros cigarros.
Um dia, cai do pé.
E no chão, apodrece-se.

Fruta madura demais
Vermes e fungos se alimentam
Da dor e mal cheiro dos dias mais comuns
E tristes
Como um filme de Tim Burton.


quarta-feira, 14 de março de 2012

O velório


O silencio cala.

Fala por si só, mudo.
Plano e estéril, claro,
E os dias insanos todos reticentes.
No entanto,
Muito mais cruel,
A inoperância.

O silêncio, 
Antecedido ou precedido à inoperância
Vela mortos,
em meio a luzes, lágrimas,
E um cheiro de flor imprestável.

E a cada segundo
Maior a distância
De quem vela,
Maior a distância de quem é velado.

terça-feira, 13 de março de 2012

O amor

São pessoas infindas,
Extintas.
Racionalmente cruéis.
Se cruzam e se enxergam
compondo, recompondo, decompondo.

E o amor pode surgir de uma frágil metáfora..

domingo, 4 de março de 2012







Por que muitas portas levam ao nada...

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O monstro


De vez em quando, às quatro, quatro e meia da manhã, testemunha o fim da noite em seu mais frágil estilo. Pouco importa estar só, ver um filme, roer unhas... Habituou-se a dias inda mais infindos.
Seu plano era construir um simples registro. Uma imensa vontade de crescer. Desejo. Um desabrochar, que de velho, podre. Fedendo entre gavetas da cozinha, provocando insetos.
Não era mesmo de amigos. Mas, isso é segredo. Nunca. Sequer na infância. Estranho demais, em qualquer aspecto referencial. Memórias de ninar, criança magrela, falando consigo mesmo, ora em primeira, ora em terceira pessoa.
Muito antes de perceber valor nas coisas que fazia, um ou outro elogiava, a seu modo e coerência. Pouco depois o outro, pluralístico personagem, e o que importava? Seu riso, seu choro, aquela dor de cotovelo ou tesão reprimido. Se fosse mulher, seria frígido, acredito.
Vez ou outra inda percebo; tinha dificuldades de se enxergar. Nunca soube se acolher, tampouco escolher, se cuidar. Cresceu complexo demais para si. Vivo, arranhava discos demais. Discos raros. Nunca aprendeu a se despedir.
Tinha medo de ficar sozinho. Percebo que julgasse provável, enrugar-se lidando com seus desmazelos, fugindo das janelas, esquecendo-se dos nomes... De uma tristeza sem medida.
Sonhava numa filha. Ou um filho, sequer. Mariana e Renato. Ou Isadora e João. Ou Marina e José. Ou Chico. Talvez um bom pai. Nunca soube se acreditava no amor. Provavelmente não. Não tinha capacidade de amar. Não sei, faltou essa aula.
Vejo-o desaparecer de minha vista, curando suas feridas. Por fim, parece mais pétreo, mais distante. Vidas que se paralelam a mim, da noite pro dia, dançando com outros pares valsas e tangos intermináveis.
Um dia, talvez, compreenda dos tempos frios e neve no peito. Inda ser útil. Num instante, perceba que tinha absolutamente um nada. Nem sorte, nem rima, além de tristes coincidências.
Um dia, talvez, inda jovem, sem memória, observando gestos alheios.
Um dia, ou noite, de sol ou chuva... meu amigo de infância. Ainda criança, correndo trecho. Nem sei seu nome, tamanha proximidade.
-Um beijo, boa noite, acorda, já é tarde!
-Você pode me tocar o rosto?
...
Nossa, há quanto tempo..
...
E dentro de si, existe um monstro que se alimenta de cuidado.

Joana


Brincando com a correnteza,

lavando a alma em sal e sol, vivia Joana.

Mulata faceira, pobre puta,

Nobre pagã.

Pobre filha da sorte

Pobre filha do abandono de Ewá.


Desde moça abriu mão de si

Por um prato, um trato

Um agrado barato,

Um gesto perdido.

Guardava em seu decote

O desejo de mudar.


Mas vida é bicho arredio

Que rosna contra,

E ataca por trás.


Joana, velha imunda,

De olhos tristes semi cegos e corpo robusto,

Mareja feições perdidas nas ondas do mar.

Como quem deseja abrir mão de vez de si.