terça-feira, 9 de julho de 2013

O primeiro da fila

Homem pontual, hábito britânico-brasileiro de chegar.
Olhos tesos, boca seca frente ao guichê
Mãos ao batente frio de granito,
Eis o tal homem; O primeiro da fila.

Cercado à correria dos tempos modernos 
E seus tic-tacs compassados, 
Subia e descia degraus demais, corredores, calçadas e ruas demais. 
E na fobia de filas demais, seguia em seu ofício de ser princípio.
Mas ser primeiro o tornara primário,
E só ele saberia explicar.

Exorbitantes filas, repletas de gentes, 

Agrupando qualidades, sorrisos e angústias distintas.
Pessoas lindas e terríveis,
Cores incomunicáveis estampavam seus medos.
E por ser primeiro, seu foco tangia-o,
Cabresto imaginário do que principia.

Por fim, seguia. Nem um dedo de prosa.
Repassava cheques e contas, cartões.
Titubeava um diálogo afável..
E em seu caminho, ao retornar 
Revia em ângulos felizes
A multiplicidade alheia das gentes.
Seus cheiros matinais, conversas
E aquele velho desejo de retomar a fila,
Quem sabe,
Por um dia ser o décimo quinto, quadragésimo nono.

Esquiva-se.
Maldizendo o mérito do tal desejado degrau do pódio. 

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Mediçao.

Não me cabe
Arcar com um drama irreal,
Moço armado, cavaleiro,
Espada e escudo e acompanhado.
Não me cabe
Andar com pés alheio aos meus,
Alcançar voo, engolir choro,
Respirar fundo, acalmar ânimos,
Dormir pensando, acordar ferido.
Não me cabe
Grande futuro, meninos fortes,
Casa no campo, vitrola e discos,
Rede e carinhos.
Não me cabe a fila.
Não me cabe a vela.
Não me cabe o caminho.
Não me cabe em si.
Não me caibo.
Nem me encaixo.
Não me adapto,
Não me vejo, nem me escuto.

Sou eu quem arma o circo.
Sou eu quem ateia o fogo.
Sou eu quem desanda o mundo.
Sou eu quem enxerga mortos.
E por ser eu, só, pouco importa.
Pareço-me fértil, embora insosso.
Anti-tesudo homem novo.
Me roço o saco, depois me lavo
E que pelo ralo escorra todo o sangue,
Todo o descaso.


terça-feira, 25 de junho de 2013

Ninho

Os pássaros do sudoeste são diferentes.
Pouco arredios, cantam baixo
Embora assoviem por dentro,
Em seus peitos,
Cantigas de medo.

Um passarinho armando fulga.
Mira o horizonte, limpa penas, olhos,
Bica o frio círculo de metal.
Uma jaula, um ninho.

Ainda ontem, ele entrou
Aos poucos, à procura de sossego
E abrigo, desde que afugentou-se.
Sangues e pedras do passado, marcas.
Aninhou-se pelas grades...

Agora estremece-se.
Já morara em outras jaulas antes, 
Já fugira, já fora posto para fora.
Medra.
E por medrar, foge.
Foge por que entende dos medos,
Foge por susto, por vexame, por sentir-se 'desaninhado'.
Foge por fulga.
E toda fulga tem sua parcela de covardia.

sábado, 18 de maio de 2013

Meninos

Os dedos que pintam
São os mesmos que sangram.
As bocas que beijam,
As que sujam.
Os braços que brigam,
Enlaçam, incendeiam.
E eu, nem santo, nem vago,
Nem sinto, nem vingo.

Os brancos dentes da sereia morta,
Abraços tênues, laços e passos.
Os olhos de esguelha, fraterna e torta,
Morena de guerra, profundo corte.
Ainda se fazem humanos de pedra
Pomes.

Carícias benditas, lâmina e corte,
Faminta de sonhos, jardim de infância,
Flamejam brilhantes faróis de milha,
Agrura infinitos contando instantes.

E a ave que canta pro dia
Maldiz a noite
Calada e fria.

Os podres olhos da sereia de pedra
Afagos tenros, terços, celibato.
Os longos laços da ciência e o norte
Inclina subordinadamente a sorte.
Ainda se fazem meninos de aço
E corte.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Maria

Maria,
Minha mãe maria,
Antes que adormeça,
Sem querer, se esqueça
Me guarda em seu peito.

Adoça minha alma cansada de vida,
Meus caminhos torpes escuros de sorte,
Meus sonhos terríveis de vida e de morte,
Meus olhos molhados de suor e de perda.

Se eu recorro à tua graça, morena
É por que te conheço
E entende-me inteiro,
Que por me esparramar dentre as gentes
Dividindo, 
Sobrou-me o que hoje a mim medra.

Minha amante selvagem, 
Minha doce pena
Me ampara dos riscos cruéis da mentira
Me acomoda em teu ventre, moldando em teu colo,
Me atenda em sutis ligações repentinas.

Acredito que um dia te encontro
Nesse ou noutro momento da vida
A me acariciar os cabelos,
A me profetizar fantasias,
Emoldurar-me em tua boca de vidro,
Anoitecendo em ti os ruídos,
Amanhecida em mim, um fantasma.

terça-feira, 14 de maio de 2013

A válvula

Carrego em meu peito um amor já antigo
Rasgado aos ouvidos, andarilhar
Apanhada língua, um tal gosto sentido
Passado perdido, amores anuais.

Respira e inda vive nos colos alheios
Calor de janeiros, carnavais.
Apodrece cálido por entre os dentes
E remanescentes de rios ancestrais.

Revejo esse peso nas costas
O sabor de tais notas
Soando-me assoviar.
Entre letras em rima, ora em prosa
Em parte areia
Em minha mãos deslizar-se

E guardado revela-se atônito
Recolhido parece-me hipócrita
Resguardado carece afônico
Pago à vista em fração singular.

Demasiado eu-lírico intrínseco
Resvalado carece de lógica
À miúde acalenta-se cárcere
Acarretando a tal dor popular.

A válvula do carinho está queimada
Não há mais
Resposta
A máquina dos sentidos
Inopera-se
Onde estará seu acarinhar?





quinta-feira, 9 de maio de 2013

Novidade



Há tempos bate em minha porta.
Ouço-te em ondas telefônicas
E beijo-te em ríspidas palavras.

Desconheço-te.
E conheço-te demasiadamente.
Acaricio-me em deja-vus 
Infindos.


Revejo-nos.
Rejeito-me.
Refuja-se!